O tema musical de nosso folhetim é este aqui. Se quiser entrar no clima do capítulo, só ouvir e viajar ao mundo de Caio, Estela e Fábio.
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Fábio chorando muito, mãos no rosto. Ele está sozinho no escritório de seu analista, que foi à cozinha. Seu visual meio viking contrasta com a extrema fragilidade do momento. Sua pele é como se fosse seda ferida por espinhos. Chora o ontem, seu sonho e sua desventura. Chora o hoje, chora o amanhã, chora o nada que se instalou em sua cabeça.
Fábio, beba.
O que é isso?
Água com açúcar.
Isso não adianta nada.
Beba.
Um homem da ciência me oferecendo simpatias da cultura popular…
Não é uma simpatia. É açúcar. Libera serotonina.
Boa tentativa, doutor Bolzan.
Bom, hoje pelo visto é sem futebol, não? Temos quase vinte minutos de sessão e tudo o que consegui entender é que você viu o espírito de seu pai ontem…
Sonhei.
Isso.
Mas não era como um sonho comum. Era real.
Sonhos são reais.
Não como senhor tá falando.
São produto do nosso inconsciente.
Eu sei.
Silêncio constrangedor. Fábio vira o copo d’água de uma vez.
Sem futebol hoje? Justo hoje que eu tenho como contar vantagem?
Na Vila Matilde Eduardo brinca com a filha no colo. A entrega para Sara que logo entende, essa é a deixa para que ela se retire. Sandra e Eduardo frente a frente no sofá. Tensos.
Eu acho que a gente precisa resolver todo esse rolo, Eduardo. Eu não fiz nada de errado. Preciso viver minha vida da mesma maneira que qualquer mulher da minha idade vive. Não sou criminosa, não tenho rabo preso com ninguém. Quero ser gente normal, comum. Ter Facebook, ir à praia, namorar. Ter uma família. Não aguento mais essa reclusão.
É por pouco tempo…
Já passou tempo demais. Olha o tamanho da menina.
Você criou essa situação se envolvendo com o Fábio. Eu só tento administrar da melhor maneira possível.
A melhor maneira possível não é me escondendo em Curitiba. E você sabe que eu não me envolvi com o Fábio sabendo quem ele era.
Tá. Você é só uma enfermeira vagabunda que dava pra qualquer paciente daquela clínica.
Eu não sou uma vagabunda! Aconteceu!
Vagabunda e mentirosa! Você tentou enrolar o Fábio! Disse que a menina era dele. Ele acreditou, sabia? Me contou que você disse que me conhecia!
Eu não falei que a gente tinha tido um lance…
Mas disse que me conhecia. Agora ele sabe da minha internação. Você me fragilizou diante deles. Olha só o prejuízo que você me causou mesmo estando longe… Você perto é uma coisa que eu não posso admitir que aconteça.
Vai fazer o quê?
Vou falar com uns amigos meus e dar um jeito de te tirar daqui…
Eu não quero sair. Eu quero ver o Fábio.
Não vai ver Fábio coisa nenhuma…
Ele gosta de mim. Vai assumir minha filha. A gente vai ficar junto e pronto. Ninguém precisa saber que a menina é sua.
Sandra, eu vou te tirar de São Paulo de novo. E se você resolver voltar a coisa vai ficar muito feia…
Me ameaça mais.
Não tô ameaçando.
Ameaça. Ameça que quando você dobrar a esquina eu tô indo bater na porta da tua casa pedindo DNA da menina. Vamos ver o que a bonitinha da tua mulher vai achar. Se você sabe ameaçar eu também sei. Você fica quieto, eu fico queita e a gente convive em família. Não tem motivo de eu viver feito uma refugiada. Chega, eu cansei.
Sandra, Sandra… Você está me colocando contra a parede. Eu me vejo obrigado a reagir.
Até agora você tava comandando o meu destino. Eu deixei. Eu fui. Fui, recuei, me fiz de sonsa. Mas fui recolhendo cada lágrima que eu derramei. Agora eu tenho uma caixa d’água inteira delas pra te afogar. Eu sou uma mulher livre, solta, dona do meu nariz e dos destinos da minha filha…
Você é uma biscate…
Eu sou tão forte quanto você me imagina fraca. Não esperava a invertida, né gatão?
Abre a boca e você morre.
Sandra tira o celular do bolso. Mostra para Eduardo que o botão vermelhor REC está acionado.
Eu morro e esse celular aqui te mata.
Suja. Você é muito suja.
Quero ver se você é macho, agora.
Toca o telefone de Eduardo. Ele atende perturbado.
Alô.
Oi, é o Caio.
O que é?
A Estela tá de alta e…
Tá bom. Diz que eu tô indo buscá-la.
Não, não vem.
Como assim?
Ela quer ir ao banco e a gente vai com ela.
Mas que coisa mais absurda, Caio! Não tira minha mulher desse hospital que a coisa vai feder…
Ela é livre. Tô só avisando. Ela disse pra você estar lá às onze em ponto pra assinar a documentação. Tchau.
Caio! Caio!
Eduardo desliga o telefone irritado, berrando.
Já veio aqui me infernizar. Agora vaza e vai pagear minha cunhadinha. Da minha vida e da minha filha cuido eu.
Eduardo sai sem dizer uma só palavra.
No consultório, Fábio já mais calmo demora a concatenar as ideias.
A vida da gente é uma coisa completamente sem sentido, não é?
Mas tem de haver um sentido?
Seria melhor.
É. De certa forma…
Eu perguntei isso ontem pro meu pai.
E ele?
Ele disse que achava que era fazer o bem.
Não te pareceu uma filosofia adequada?
Me pareceu desamparo.
Desamparo?
É. A gente faz uma ideia absurda dos pais da gente. Ah, doutor… Se o senhor soubesse as coisas que eu imaginava a respeito dos meus pais… Minha mãe era linda. É uma mulher bonita até hoje. Meu pai era poderoso, forte, charmoso. Ele em cima daquela moto, vestido de couro, com aquelas mulheres que não tiravam o olho dele… Era uma espécie de visão ideal do que é o homem, do que se espera de um hoemm. Era forte, viril, atraente, bem sucedido, imperial mesmo. Engraçado, jovem. Eu olhava pro meu pai como um cachorro olha pro dono. Olhava e sabia que por mais que eu o amasse, jamais conseguiria me tornar um membro da mesma espécie.
Fábio, me permite virar a chave do terapeuta por um minuto e fazer uma observação pessoal?
Sim.
Você descreveu seu pai da mesma maneira como eu vejo você.
Não entendi.
Você é forte, viril, imponente, entra aqui com essas botas batendo no meu assoalho e fazendo tudo tremer… Esse cabelo preso pra cima, essas suas roupas. Você é um homem que transpira força. Não vejo motivos pra não se julgar da mesma espécie de seu pai.
Meu pai não se quebrava feito louça como eu me quebro. Me parto em mil pedaços todos os dias. Isso me difere dele.
Será?
Eu sei que sim.
Mas e seus planos de retomar sua família, o casarão, de olhar por seus irmãos? Isso não é coisa de quem seja tão frágil.
Mas são planos, apenas.
Aja! Faça eles saírem do papel. Reforce a louça.
Na casa de Ada uma grande mesa montada espera as visitas de Cida, Estela e Caio.
Senta, gente, senta. Fiz comida leve pra Estela, não tem nada muito condimentado querida. Pode comer sem medo. Tudo bem fresquinho.
Obrigado Ada. A gente levou um susto daqueles com essa minha filha mas agora tudo há de se resolver. Daqui uns dias saem os resultados dos exames.
Claro, claro, claro. Isso é estafa. Coisa boba.
Ada, a gente fez questão de passar aqui pra te agradecer.
O quê?
O oferecimento que você fez ao Fábio. O dinheiro pra recuperarmos o casarão.
Ah, mas é o patrimônio do meu filho! Não fiz nada demais. Só avisar que está a disposição de vocês.
Não é preciso. Passamos no banco agora, eu saquei minha aplicação. O cheque está com o Caio, o Fábio vai juntar com as economias deles dois e vamos pagar a dívida.
O Eduardo assinou?
Assinou. Encontrou com a gente no banco e assinou.
Que maravilha. Fico feliz do casarão ainda ser nosso. Vocês gostam de couve-flor? Fiz uma couve-flor com queijo muito boa, vocês vão gostar…
Toca a campainha e Ada vai abrir. É Fábio, que se junta a eles com muito carinhos, beijos e fome da comidinha caseira feita pela mãe. Sobremesa, café, sossego no sofá. Estela deitada no colo de Fábio, que lhe acaricia os cabelos.
Andei me estranhando com o seu marido.
Como assim?
Eu quase quebrei os dois braços dele no hospital.
Fábio, para de lorota…
Ele me chamou de drogado.
Não acredito…
Verdade. E eu sei que ele é a única pessoa que não tem esse direito, Estelinha.
Ela se levanta rapidamente.
Do que você tá falando?
Eu sei de tudo. Da internação que os pais dele arranjaram. Na mesma clínica que eu. Do motivo pelo qual o pai da gente nunca ter gostado dele.
Como você sabe disso?
Eu fiquei amigo de uma moça… Uma enfermeira de lá. Ela te viu no dia em que você foi me visitar e te reconheceu. Disse que te conhecia. Que você ia todas as semanas visitar seu namorado.
Eu tinha de apoiar, né?
Fez bem. Mas tinha de contar pra gente.
Todo mundo tem seus segredos.
Isso lá é verdade. Quer saber de um meu?
Quero!
Você é titia.
Oi?
Titia. Eu tenho uma filha.
Como assim tem uma filha?
Essa moça, a enfermeira que te reconheceu. A gente se envolveu, ela engravidou e teve uma menina.
Como é que a gente não soube disso?
Eu soube da existência da menina depois. Quis fazer uma família com elas mas ela sumiu. Mudou de endereço, ninguém sabe pra onde. Procurei na internet, redes sociais. Sumiu no ar.
Eu tenho uma sobrinha!
Tem.
Eduardo entra, cara de poucos amigos.
Estela, eu já resolvi meus assuntos no escritório. Vim te buscar pra gente ir embora pra casa.
Amor, escuta essa novidade: O Fábio tem uma filha! Eu sou tia!
Filha?
É. Não é incrível?
FIM DO OITAVO CAPÍTULO